quarta-feira, 30 de setembro de 2009

VEREDAS!!!!





Quero criar veredas na tua vida como fonte cristalina que encanta com a beleza de suas águas
Desvelar veredas ocultas que merecem ser trilhadas
Descobrir veredas de natureza velada
Veredas de beleza e contentamento alcançadas
Caminhar pelas veredas do teu coração de mãos dadas
E descansar no altar sagrado que nos leva essa caminhada
Caminhar sobre segredos rasgados na madrugada
Criar pontes que ligam meu Ser ao Teu em veredas iluminadas
Veredas perfumadas com a essência dos jasmins que espalham seu perfume ao vento e encantam nossa vereda criada
As veredas de tua vida se unem as minhas e são uma só em nossa caminhada.

Janaina Ismenia de Melo.
(foto tirada da internet).

INFINITAS NUANCES...




Nos teus olhos vejo miríades de estrelas
No teu sorriso sinto a tua alma resplandecer em arco-íris
Nos teus gestos sinto a dança harmoniosa dos astros
Nas tuas palavras ouço a inspiração divina das musas
Tudo em ti é esplendor
Tudo em ti é inspiração
Tudo em ti é beleza
Tudo em ti é delicadeza
Amar-te é mergulhar num oceano profundo e misterioso
É aventurar-se nas dimensões abissais onde se fundem superfície e profundidade, multiplicidade e singularidade numa mescla de infinitas nuances
E nesse mergulho é possivel chegar ao horizonte onde tudo é luz
Você é o encontro do céu com o mar
Essa fusão mágica da natureza, onde o sol se deita e se levanta e a lua vem dançar
Amar você é como cavalgar numa linda floresta com frestas de luz solar
Se derramando sobre a relva numa dança de infinitas cores
Sentindo os carinhos da brisa me tocar
Amar você é a sinfonia do mar!!!

Janaina Ismenia de Melo.
(foto tirada da internet).

SEDE DE INFINITO!!!!



Minha de sede de infinito é tanta que me atormenta numa dor pelo avesso
onde não existe porto seguro, mas sim a vastidão do oceano a desvendar...
superfície que se perde na profundidade abissal
indecifrável sede de infinito
sou cúmplice da adorável brisa do mar
que passa e não fica em nenhum lugar
apenas minha alma cheia de maresia
tesouro submerso na infinita possibilidade de amar.

Janaina Melo.
(foto tirada da internet).

CARTOGRAFIAS PRAIEIRAS!!!




Cheguei a Areia Preta e sentei-me na areia para começar minhas observações e anotações. A manhã estava linda, com um sol radiante e a maré estava enchendo. Havia alguns surfistas pegando onda, e uma turma de homens jogando bola, além de mulheres em crianças brincando na areia e tomando banho. Fiquei observando primeiramente os homens que jogavam, lembrei do texto sobre a praia, e me perguntei se aqueles homens estavam preocupados com suas barrigas ou bundas. Eles estavam livremente jogando com um palavrório nada padrão, mas muito soltos e acho que naquele momento o que importava era o prazer do jogo e não as suas “circunferências” abdominais. Vale ressaltar que o público daquele pedaço de areia, ou seja, daquela cartografia praieira não está inserida na elite da sociedade, nem naqueles modelos padrões de corpos sarados e espelhos de perfeição, apesar de estarem na frente de apartamentos caríssimos, onde vive uma elite da sociedade potiguar que está inserida na cultura lipofóbica. Mas claro que esta elite não coloca nem o dedinho do pé na areia de Areia Preta, nem pensar – é lugar de pobre, gordo, farofeiro e outras categorias excluídas, a esta elite é reservada a bela vista do mar de suas altas varandas. Depois olhei as mulheres que tomavam sol, algumas sozinhas e outras cuidando de crianças, criança sempre é lindo de se ver, sempre espontâneas e livres, qualidades que os adultos vão perdendo cada vez mais na sociedade de controle que vivemos, cada vez que submetem-se ao sistema de escravidão capitalista, social, estético,etc..., mas voltando às mulheres, observei seus corpos, a maioria fora dos padrões sarados que está no texto de Joana Novaes. Estão mais para o padrão dos moradores das favelas do Rio que usam bronzeador de beterraba e tentam se adequar aos padrões, apesar de estarem sempre fora deles e excluídas, seja pela pobreza, seja pela gordura, seja por que motivo for. Fiquei ali por algum tempo e depois resolvi ir para a praia dos Artistas. No calçadão já vi muitas pessoas caminhando, jovens, velhos, turistas. Resolvi descer para a praia, pois queria observar mais como as pessoas faziam uso da praia e de seus corpos. Vários surfistas pegando onda, um esporte que eu particularmente acho muito interessante, me fizeram até lembrar de Deleuze, um filósofo instigante e intenso, que também no final de sua vida prestou atenção aos surfistas e falou de uma forma incrível de como pegar onda é uma metáfora da vida, “se equilibrar entre os altos e baixos”, “aprender a fluir com o movimento”, é um filósofo interessante, que me fez refletir algumas coisas naquele momento, mas que são muito minhas, não desse diário de campo. É interessante como o surfista é marginalizado e sofre preconceito por aparentemente não fazer nada e viver só pegando onda, mas, por outro lado, geralmente, eles são sarados, bronzeados, portanto, dentro da categoria da cultura lipofóbica, um paradoxo interessante de se pensar, pois o preconceito sempre impede de olhar as coisas com mais profundidade e entender realidades que muitas vezes fogem do controle rígidos dos olhos que “vigiam e punem” da sociedade. Voltando a observar as mulheres deste outro pedaço de areia, mas na mesma cartografia, vi mulheres de todas as cores... desde as “transparentes” até as negras, passando pelas morenas de sol. Vi mulheres se besuntando com água oxigenada nas pernas, nos braços, barriga, nas costas, uma cena que creio só aconteça nessas partes onde o público que freqüenta são os farofeiros, os pobres, enfim, nada de elite, pois nunca vi isso em praias ditas elitizadas, e esse comentário não tem intenção preconceituosa, faz parte deste trabalho da observação de campo sobre o uso dos corpos e suas formas de estarem no mundo. Mas é ótima a espontaneidade destas mulheres, nem ai para quem está julgando, elas querem é ficar com os pêlos louros. A maioria das mulheres se preocupa com sua aparência, geralmente as mulheres são vaidosas, e isso independe de classe social, claro que é muito mais fácil para quem tem poder aquisitivo, como já ouvi no interior “não existe mulher feia, existe mulher pobre, não existe mulher bonita, existe banho de loja”, adoro estes ditados populares!!! Então essas mulheres que não estão na elite se viram como podem, desde dar massagem nos cabelos em casa com receita caseira (que pode ser abacate com mel, ovo com azeite, iorgute com mel, leite para clarear e toda sorte de milacria) com touca térmica, até fazer a sobrancelha com a comadre, depilar com gilete, passar água oxigenada na praia para ficar loirinha... e por ai vai, desde que estejam bonitas, dentro de suas limitações, é o que importa, pois vivemos numa sociedade onde ser feio é motivo de exclusão e chacota, vivemos numa sociedade cruel. Fiquei observando várias mulheres, é interessante observar como o corpo se expressa, é interessante como fica claro quando a pessoa está bem com seu corpo e quando não. As mulheres principalmente, na maioria dos casos estão preocupadas com seus peitos e bundas (ao contrário dos homens que vi jogando bola em Areia Preta), se preocupam com seus corpos e medidas, vivem escravas do poder da mídia que impõe uma beleza idealizada e irreal, principalmente para quem não está na elite, pois para a classe A é fácil ser Bárbie, ou seja, os ricos podem fazer plásticas e tudo o que é preciso para estarem dentro dos padrões lipofóbicos. Já os pobres mortais assalariados, além de não terem poder aquisitivo, sofrem ainda mais por não terem acesso, por serem excluídos, uma realidade cruel. (para quem se submete é claro, o pior é que a maioria se submete, EH vida de gado...!!!!!)


Depois de ficar um tempo observando várias pessoas, crianças correndo, brincando na areia, chupando picolé, comendo pipoca, coxinha, refrigerante, se divertindo, passei a observar as pessoas que estavam ali para conseguirem seu sustento, vendendo picolés, comidas, óculos, bronzeadores, várias coisas e fiquei pensando na dificuldade que aquelas pessoas enfrentam no dia-a-dia para conseguirem sustentar suas famílias, em como seria a vida dessas pessoas, no cansaço ao final do dia e no lucro minguado de suas vendas. Fiquei triste por vivermos escravos de um sistema perverso que uns vivem a opulência absurda e outros a carência absurda, que mundo é este???????????????????


Voltei para casa com mil questionamentos na cabeça e várias cenas interessantes na memória.

Janaina Ismenia de Melo.
(imagem da praia do Forte e praia dos Artistas)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

DORES DE MARIA!!!


Um telefonema tirou Maria das dores de seus afazeres diários. Uma voz masculina do outro lado da linha lhe informava que seu filho havia sofrido um acidente, com o coração aos pulos e enchente nos olhos ela dirigiu-se para o hospital. Lá chegando, foi convidada para o reconhecimento do corpo, pois não havia identificação nenhuma com o rapaz. Ao olhar seu filho rijo e gélido naquela maca, pensou não suportar tamanha dor. Depois de enterrar seu único filho, saiu caminhando sem rumo, tentando acalmar seu coração e clarear seus pensamentos. Lembrara que um ano atrás perdera seu marido, que era um bom companheiro, já havia perdido três bebês, e agora seu filho tão amado. Muitas perdas para uma mulher só. Estava justificado seu tão odiado nome, que sua mãe havia lhe colocado como uma sentença. Durante uma semana não fora trabalhar, estava de luto, não tinha energia para nada, só para chorar e remoer sua sina. Na volta para o trabalho, preferiu ir caminhando para a casa de sua patroa, assim teria mais tempo para pensar, não via mais sentido algum em sua vida. Parou no viaduto para tomar fôlego, e ao olhar para baixo, sentiu vertigem. Uma centelha de idéia passou pela sua cabeça. Do outro lado da cidade, Lucas pegava o ônibus para a faculdade, cursava o sexto período de psicologia. Era encantado pela psique humana e suas complexidades. Estava refletindo sobre as psicopatologias que estava estudando e olha pela janela, gostava de ver o movimento do ônibus deixar tudo para trás. Nunca esperava ver cena tão chocante, que marcaria sua vida e memória para sempre. Vê o exato momento que uma senhora se atira do viaduto com um grito lancinante e se espatifa no chão, inúmeras pessoas começam a se aglutinar ao redor do cadáver, todas contando sua versão do fato. Lucas ainda impactado pela cena, não conseguia concatenar os pensamentos. Pensou: “Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real”. O ônibus continuou seu itinerário deixando para trás aquela tragédia sem nome e sem rosto. Lucas chega à universidade ainda em estado de choque e conta para sua amiga a cena que havia presenciado, dizia não conseguir fechar os olhos que a imagem daquela senhora com toda sua dor e seu grito lhe invadiam o espírito, lhe saltavam aos olhos. Naquela noite não conseguiu dormir, refletia profundamente sobre a vida e a morte, em como a vida é um fio muito delicado e como estamos a todo o momento neste limite, como é preciso ter cuidado com a vida, consigo mesmo e com os outros. O cuidado é uma forma fundamental de se colocar na vida. Escolheu psicologia, pois queria cuidar da vida daqueles mais carentes, de pessoas que estavam à beira do abismo como àquela senhora, que se tivesse tido uma escuta e acolhida, talvez não tivesse chegado ao extremo do suicídio. Assumiu de maneira ainda mais forte seu compromisso social enquanto futuro profissional, e iniciou um trabalho voluntário junto a alguns colegas com crianças e idosos carentes, uma forma de aquecer o coração e alegrar a vida dessas pessoas tão esquecidas e marginalizadas pela sociedade do espetáculo e superficialidade que vivemos.

JANAINA MELO.

ANATOMIA DA SOLIDÃO!!!


Almoçou apressadamente, pois tinha pouco tempo para limpar o anatômico antes de iniciar a aula da turma vespertina, tinha que deixar tudo limpo e organizado para os alunos e professores. Comeu sem achar gosto na sua comida insossa, um arroz empapado com feijão branco e um pedaço de pescoço de frango, farinha e batata, tudo frio e sem sal, como sua vida, pensou ele. Engoliu e pegou seu arsenal de trabalho para cumprir com sua obrigação. Limpou as bancadas, limpou o chão, enquanto fazia seu trabalho, observava os alunos irem chegando e se espalhando pelo laboratório, ali, ele era invisível, parecia que ninguém o enxergava, ninguém o via, ninguém lhe cumprimentava, sentia-se muito incomodado com essa invisibilidade social. Mas era querer demais que alunos de medicina, fisioterapia, psicologia, odontologia, pessoas que na maioria são a elite da sociedade, olhassem para um simples ASG, preto e pobre. Ali ele sentia na pele o preconceito social, o poder do dinheiro, a arrogância das pessoas que possuíam um nível social elevado, ou nem tanto assim, mas que estavam ali para serem profissionais liberais e lutarem no acirrado mercado liberal. Ficava olhando discretamente todos aqueles alunos e professores e lembrava-se do seu sonho de ser médico. Como queria poder ajudar as pessoas, tratar dos doentes, ajudar aos mais carentes. Como lamentava ser tão pobre e não ter conseguido estudar. Acostumara-se a sua pobreza e a sua solidão. Não tinha amigos, tinha poucos conhecidos e tinha um rolo muito enrolado mesmo, que só se viam muito raramente. Reginaldo se acostumara a conversar com os cadáveres, fazia deles seus confidentes. Logo que foi designado para ficar trabalhando no anatômico, morreu de medo, pois sempre tivera horror a cadáveres, mas com o passar do tempo foi se acostumando, foi perdendo o medo, e quando se deu conta já conversava com eles, contava suas desventuras, suas ilusões, suas tristezas. Tinha a impressão que assim, diminuía sua solidão. Mera ilusão. Tem algo mais solitário que conversar com cadáver?
Reginaldo vivia enamorado de uma estudante de fisioterapia, que passava muito tempo no laboratório estudando. Uma morena linda, de cabelos cacheados, olhos cor de mel e cintura de pilão. Ficava de longe admirando sua beleza, enquanto ela se debruçava sobre as peças, sem desconfiar que fosse admirada de longe. Mas de tanto olhá-la, ela começou a perceber. Quase sempre que estava estudando no laboratório, percebia Reginaldo rondando por perto, limpando o que era possível que estivesse perto dela, e ela ficou incomodada com aquilo, pois era ambiciosa demais para se interessar por um homem pobre e sem estudo.
Reginaldo acordava quase todos os dias já quase meio-dia, tomava banho e pegava o ônibus para ir trabalhar. Passava tarde e noite na Universidade, limpando, organizando, e principalmente mantendo o anatômico sempre em ordem. Depois de chegar em casa já tarde da noite, num quarto alugado com um banheiro, uma cama, uma mesa, vários livros espalhados, um fogareiro de duas bocas, tudo muito precário, comia alguma gororoba que preparava e fazia o que mais gostava, deitava na cama e lia até de madrugada, pois era apaixonado por literatura. Ironicamente, talvez tivesse mais leitura que a maioria daqueles estudantes ricos e arrogantes, que eram superficiais e incultos. Um ranço de raiva sempre amargurava seu coração. Já tinha lido os grandes clássicos, adorava Machado de Assis, Clarisse Lispector, Fernando Pessoa, e tantos outros. Um dia tomou coragem e escreveu um poema de Fernando Pessoa e timidamente fingindo que limpava a bancada onde Aline estudava, entregou o bilhete a ela e rapidamente saiu com o coração aos pulos. Foi para um banco fora do laboratório, onde Andréa estava sentada lendo distraidamente um livro de Gabriel Garcia Marquez. Sentou-se tentando acalmar as emoções, nem percebeu Andréa direito. Enquanto respirava, viu Aline chegar e lhe jogar o bilhete na cara e dizer para nunca mais tomar liberdade desse jeito, senão daria um jeito dele ser demitido, que ele se colocasse no seu lugar de faxineiro e nunca mais lhe dirigisse nem o olhar. Virou de costas e saiu, enquanto ele ficava ali, mortificado, humilhado e envergonhado, por aquela outra moça que nem conhecia ter presenciado tamanha humilhação. Andréa saiu e voltou com um copo de água para ele.
“Toma Reginaldo, não fica assim não. Eu sei que é doloroso sofrer de amor.”
“Obrigado. Como você sabe meu nome?”
“Eu sempre estudo no laboratório, e já ouvi os monitores lhe chamando. Eu já tinha percebido seus olhares para Aline.”
“Desculpe você ter presenciado esta cena, não esperava que acontecesse. Eu só escrevi um poema de Fernando Pessoa para ela.”
“Talvez ela nem saiba quem é Fernando Pessoa. Eu vou indo, fica bem.”
“Me diz seu nome.”
“É Andréa.”
“Obrigado Andréa”.
Quando ela se levantou para ir, o livro caiu de sua mão, ele pegou para devolvê-lo, mas antes leu o título. Eu já li este livro, é maravilhoso. Obrigado pela atenção.
“Eu estou gostando. De nada. Tchau.”
Reginaldo estava arrasado com tamanha rejeição. Claro que não esperava que ela caísse em seus braços, mas, também não pensava que teria uma reação tão agressiva. No fim da noite, enquanto limpava o anatômico, chorava de tristeza, estava sozinho e aproveitou para contar para o Zé, seu “amigo” defunto a desventura do dia, sentado num banco ao lado de Zé, contava suas desilusões e chorava de dor. Estava arrasado, chegou em casa e ficou horas rolando na cama, mal conseguiu dormir.
Dois meses já haviam se passado daquela tarde do bilhete, e nesse tempo ele observou que Andréa sempre estava no anatômico estudando, sempre estava com um livro diferente, viu que ela gostava de ler, e ela sempre o cumprimentara, o que o deixava muito feliz. Sabia que ela estudava com Aline, mas percebeu que não havia proximidade entre elas, e Nunca mais se aproximou de Aline, pois não poderia perder aquele emprego de jeito nenhum, senão morreria de fome. Num sábado à tarde, Reginaldo resolver sair um pouco de casa e foi para o shopping, para o lugar que mais gostava de ir, para a livraria, onde fiava horas vendo os livros, folheando, lendo, perdia a noção do tempo. Às vezes aos sábados pela manhã percorria os sebos da cidade para comprar ou trocar livros. Chegou à livraria e escolheu um livro e sentou-se numa poltrona, estava entretido na leitura quando ouviu seu nome. Olhou e viu Andréa à sua frente. Cumprimentaram-se e ela chamou para tomarem café, ele agradeceu, mas disse que preferia ficar lendo, não tinha dinheiro para o café.
“Eu o estou convidando. É por minha conta.”
Tomaram café e conversaram mais de duas horas. Enquanto voltava para casa no ônibus, pensava em como seria bom se pudessem ser amigos, mas não tinha ilusões, a diferença social era abismal. Na semana seguinte Andréa entrou no anatômico com uma sacola de livros, procurou Reginaldo e não o encontrou, perguntou para o monitor que ela conhecia, ele disse que ele estava no horário de intervalo, devia ter ido lanchar. Ela foi até a lanchonete que ficava nos fundos da universidade, e o viu tomando um suco com salgado aproximou-se e pediu um salgado e um suco.
“Oi Andréa, o que você faz aqui?”
“Oi Reginaldo, vim ver se você estava aqui, pois fui ao laboratório e não o vi, achei que estaria aqui. Trouxe alguns livros de presente para você, já li todos, resolvi lhe dar, se você quiser é claro.”
“Claro que quero. Obrigado. Mas não pega bem pra você ser vista aqui, muito menos conversando comigo. Não quero lhe prejudicar.”
“Relaxa Reginaldo, você é muito mais legal e culto que os mauricinhos da minha turma. E além do mais, eu sou livre, sou eu que escolho minhas amizades, e eu gosto de conversar com você, acho você legal. Não é pelo fato de você não estar na mesma condição social que a maioria que freqüenta essa universidade, faça de você uma pessoa que mereça ser ignorada, não por mim, meus valores são outros.”
“Poxa Andréa, eu fico até emocionado. Obrigada por não me ignorar e por não ter medo de se aproximar de mim, às vezes eu acho que as pessoas têm medo de mim, parece até que tenho uma doença contagiosa.”
“Infelizmente a gente vive numa sociedade capitalista, preconceituosa e superficial, onde o valor das pessoas passou a ser o que elas têm e não o que elas são de fato. Mas eu abomino essa superficialidade e este preconceito.” Vamos lá, quero lhe mostrar os livros.
Passaram o resto do semestre cultivando cada vez mais a amizade entre eles. Além de incentivá-lo a continuar os estudos e fazer supletivo pra terminar o segundo grau e tentar o vestibular, ela dava-lhe livros e iam muitas vezes a sebos e a livrarias. Reginaldo sempre “contava” pro Zé, seu “amigo” cadáver, suas conversas com Andréa, suas angústias, pois mesmo com a amizade dela, sua solidão ainda era gigantesca, continuava muitas vezes no fim do expediente, já tarde, sentado num banco conversando com o Zé. Chegou o fim do semestre e Andréa terminou o curso, convidou Reginaldo para sua formatura, mas ele disse que não poderia ir, pois ela seria linchada pela turma, não seria prudente. Mas eles poderiam comemorar num sarau, eles poderiam jantar em algum lugar mais reservado e ler poesias e tomar vinho e dar boas risadas.
Alguns dias depois ela o levou para seu apartamento, tinha preparado um jantar para eles, comprado vinho, separado livros de poesias e preparado tudo para ser uma comemoração maravilhosa, pois em breve estaria fora do país, ficaria quatro anos fora fazendo doutorado, queria se despedir de seu amigo mais verdadeiro.
“Seus pais não vão se incomodar com minha presença?”
“Eu moro só, não se preocupe. Meus pais moram na Espanha. Preparei um jantar bem gostoso, vamos aproveitar e declamar poesias, algumas que gosto muito.”
“Que ótimo. Muito bonito seu apartamento. Quantos livros!!!!”
Depois que leram várias poesias, comentarem sobre vários livros, tomarem várias taças de vinho, foram jantar.
“Você já trabalha na sua área Andréa?”
“Eu tenho uma clínica de fisioterapia, onde têm vários profissionais atuando, eu estou além de administrando, estagiando na área que escolhi. Mas, agora vou passar um tempo fora, estou indo fazer meu doutorado na Espanha. Depois eu volto.”
“Você vai embora?”
“Estou indo passar uns tempos na Espanha, mas eu vou ficar lá e cá, sempre que der, eu venho, pois não quero abandonar a clínica. O que foi? Ficou calado?”
“Estou absorvendo a notícia, você é minha única amiga, e vai embora, fiquei triste.”
Depois de jantarem, tomarem muito vinho, declamarem poesias, conversarem bastante, abriram mais uma garrafa para finalizar a noite, os dois já embriagados, Andréa roubou um beijo de Reginaldo, e queria mais, mas ele foi embora, pois tinha muito medo de permitir acontecer tudo e perder a única boa amizade que tinha. Levantou-se e saiu se desculpando com Andréa.
Na semana seguinte ela estava muito ocupada com as festas de formatura e não se encontraram, só se falaram por telefone. Duas semanas depois ela ligou para ele no meio da tarde dizendo que estava indo para o aeroporto dali a duas horas, que se ele quisesse se despedir ele fosse pra lá. Ele pediu para seu chefe para sair, era uma emergência, depois voltaria. Correu para o ponto de ônibus e chegou ao aeroporto, foi direto para ver se ela estava na fila de embarque. Não a viu, ligou para ela, ela disse que estava a caminho do aeroporto.
“Não podia deixar de vim me despedir, e também de pedir desculpas pelo que aconteceu no jantar. Não queria perder minha única e melhor amiga.”
“Eu que tenho que pedir desculpas, foi eu que tomei a iniciativa. Desculpe-me. Como é que eu pude achar que você ia gostar de uma mulher feia e sem graça como eu.”
“Pára com isso Andréa, como você pode dizer isso? E ainda briga comigo quando eu digo que ninguém vai gostar de um cara preto e pobre como eu. Não sei qual de nós dois está pior, complexo de inferioridade a mil. E além do mais, eu achei que você tivesse namorado você nunca me falou nada a respeito.”
“Porque eu também achei que você tivesse namorada. Existe alguma possibilidade para nós dois?”
“Você está falando sério, está brincando comigo ou eu estou sonhando?”
“Nós dois precisamos mesmo de terapia viu, é claro que estou falando sério, você acha que eu ia brincar com uma coisa séria dessas, e responde logo, porque dependendo da sua resposta eu nem embarco hoje, fico mais uns dias.”
“O que diabos você viu num preto pobre como eu???”
“Isso é um sim ou um não? Ou será que você vai querer namorar uma gordinha sem graça como eu?
Claro que eu quero, eu sempre achei que você era demais pra mim, achava quase impossível você querer alguma coisa além da nossa amizade.
Você é um tonto mesmo, porque você acha que eu me aproximei de você, pelos seus lindos olhos azuis? É claro que já sentia atração por você antes daquele dia do bilhete daquela patricinha, mas ao passo que ia lhe conhecendo melhor e vendo o quanto você é maravilhoso, fui me apaixonando.
Passaram dias juntos no apartamento de Andréa, fizeram mil planos. Ela embarcou para a Espanha depois de terem passado natal e ano novo juntos. Ele matriculou-se no supletivo, começou a estudar espanhol e era o mais novo funcionário da clínica de Andréa, com um salário melhor e condições de vida mais humanas. Sempre se falavam e algumas vezes Ela veio ao Brasil. No final do ano, os dois embarcam para a Espanha. Ela fazendo doutorado e ele fazendo graduação também em fisioterapia. Depois de oito anos entre Brasil-Espanha, retornam de vez para Natal, mergulham no trabalho, tanto na clínica como na Universidade, pois os dois passaram no concurso da universidade federal.
Um belo dia entrou na sala de aula onde se iniciava um curso de pós-graduação, onde era um dos professores mais bem conceituados e que os alunos mais comentavam que queriam conhecer, pois era conhecida sua fama de ótimo profissional e ótimo professor. Na primeira fila estava Aline. Ele não teve dúvidas, depois de dar boa noite pra turma, começou a aula declamando um verso de Fernando Pessoa, o mesmo que havia dado para Aline há doze anos e que ela havia jogado em sua cara.
“Professor, O quê poesia tem a ver com nosso curso?”
“Tudo. Sabe turma, há muitos anos eu era apaixonado por uma estudante de fisioterapia e dei esse poema pra ela de presente escrito num pedaço de papel, e sabe o que ela fez? Jogou o papel na minha cara e disse para eu nunca mais olhar nem nos olhos dela, e sabe por quê? Porque eu era o faxineiro do laboratório de anatomia. Que audácia a minha, imagina, um preto e pobre me declarando para uma patricinha. E por que eu estou falando isso pra vocês? Porque me marcou muito aquela atitude daquela moça, E eu prometi que eu ia vencer na vida e ia ser um professor que onde eu desse aulas, minhas aulas seriam para provocar reflexão, combater o preconceito, a mesquinhez, a falta de solidariedade humana, a ignorância e muitas coisas mais. Então meu caro aluno e toda a turma, minhas aulas não são somente teóricas, são também filosóficas-existenciais, abomino os estudantes e profissionais que só pensam no dinheiro, em se dar bem e esquecem que o seu paciente é um ser humano, que sofre, que ama, que tem uma história, que merece respeito acima de tudo, seja ele rico ou pobre. E eu procuro incentivar em meus alunos e companheiros de trabalho, essa sensibilização. Nós não tratamos só de ossos, músculos, torções, nós tratamos de pessoas que merecem nossa atenção, nossa dedicação, nosso respeito, o nosso melhor enquanto profissionais que se propõe a aliviar a dor e fazer o melhor enquanto fisioterapeutas. Precisamos nos trabalhar sempre para sermos melhores enquanto pessoas, lendo bons livros, ouvindo boas músicas, praticando a caridade, doando nosso saber para pessoas mais pobres, enfim, existem milhões de formas de nos tornarmos melhores como Ser e atuar no mundo para contribuir positivamente. Portanto, a arte, a poesia, a filosofia, a literatura são fundamentais neste processo, e nunca esqueçam do amor, pois ele é fundamental em nossa vida. É maravilhoso amar e ser amado, não pelo que você tem, mas pelo que você é, e foi pelo amor daquela que hoje é minha esposa, que enxergou em mim não o faxineiro somente, mas um ser humano, e não teve medo de se aproximar de um preto pobre e ver além do que eu tinha, que eu não tinha nada materialmente para oferecer, mas tinha muito enquanto ser para compartilhar, e ela, do alto da sua posição social, enfrentou o preconceito e assumiu nosso amor, e me deu a oportunidade de hoje eu estar aqui, um profissional realizado e feliz falando pra vocês, e eu desejo que a vida tenha ensinado àquela jovem que jogou o bilhete na minha cara, que a vida é muito mais que marcas de carro e griffe de roupas, e que a vida tenha sido generosa com ela. Para concluir, nossas aulas sempre terão poesias, arte e reflexão, além de músculos e ossos, e eu espero poder contribuir positivamente para uma boa formação teórica, mas também humana durante nosso percurso juntos.”Ele olhou para Aline, ela estava enterrada na cadeira, com os olhos em lágrimas. Ele viu que tocou o coração dela e da turma, acabou a aula foi para casa feliz da vida e contou para Andréa o acontecido, os dois ficaram felizes com a oportunidade que a vida deu para ele devolver o bilhete para Aline, de forma digna. Se amaram e dormiram abraçados.

Janaina Melo.
(foto tirada da internet).