terça-feira, 20 de outubro de 2009

A formação do filósofo no livro VI da República de Platão.



No livro VI do livro “A República” de Platão, a discussão é sobre a formação do filósofo. Qual definição dar para esse filósofo que vai governar a cidade?



No livro Platão pela boca de Sócrates, dá uma primeira definição do filósofo: “Uma vez que os filósofos são aqueles que são capazes de atingir aquilo o que se mantém sempre do mesmo modo.” Isto é, a Idéia, está no plano das Idéias, aquilo que não pode ser corrompido. O filósofo busca o que é em si, o não filósofo busca a opinião, a dóxa. O filósofo é aquele que tem acuidade para perceber e saber o que é sempre do mesmo modo, ou seja, a Idéia, aquilo que não se corrompe. A República é uma Sofocracia, governo da Sabedoria, governada pelo filósofo. Uma hierarquia do inteligível sobre o sensível.


Aquele capaz de resguardar as leis (campo jurídico) e os costumes (campo ético), seja o guardião da cidade, esse é o cerne da discussão do livro VI.


Os atributos do filósofo que Sócrates enumera são:


O 1º atributo: “estão sempre apaixonados pelo saber que possa revelar-lhes algo daquela essência que existe sempre, e que não se desvirtua por ação da ação e da corrupção”. O filósofo está sempre preocupado com o mundo das Idéias, onde não existe o erro da opinião, dos falsos aprendizados e do erro. O filósofo busca o que é em si, e o não filósofo busca a opinião. A filosofia aguça a capacidade de discernimento, aguça o senso-crítico. O filósofo é aquele que tem acuidade para saber o que é sempre do mesmo modo, ou seja, a Idéia. A formação do filósofo tem que ser baseada na Verdade. A Idéia para Platão é o que torna possível de entender a realidade. O filósofo busca a Idéia (essência) e a relação com o conhecimento, é uma relação de paixão (éros) pela essência em sua totalidade.


O 2º atributo: “a aversão à mentira e a recusa em admitir voluntariamente a falsidade”. Estar apaixonado na sua essência pela Totalidade. O compromisso do filósofo que governa a polis é com a verdade, com a ética e com a justiça, jamais com a falsidade e a corrupção.


O 3º atributo: prazer da alma em si. Conhecimento é da essência, da alma, mas, Platão afirma também o corpo, a vida é alma e corpo, e não só alma. Mas, o conhecimento só existe na alma, mas isso não quer dizer a negação do corpo, o Cristianismo é quem vai negar o corpo. O conhecimento da essência é diferente do conhecimento do corpo. Pensar uma realidade que se mantém sempre a mesma, ou seja, pensar o Ser e as questões essenciais estão fora do alcance dos sentidos do corpo, é da essência, da alma. O prazer da alma é entender o que é essencial, não são prazeres fugazes, momentâneos, é uma questão da descoberta da verdade, é fugir da opinião. O prazer da alma é a aquisição do conhecimento do Ser. O interesse profundo pelo conhecimento é o que Platão chama de amor à Sabedoria.


Conflito entre aparência e essência é todo o problema da filosofia e principalmente em Platão. Toda a discussão de Platão e toda crítica que ele faz a polis é que os homens se baseiam na opinião (doxá) ou aparência (aquilo que parece ser mas não é), por oposição ao conhecimento (epistéme – essência – o que é, o ser das coisas). Platão percebe que as pessoas se movem pela aparência, e que isso leva ao erro e à injustiça.


O 4º atributo: ser moderado. Sophrosyne – sabedoria no agir, pensar antes de agir, característica do uso da razão. Ser moderado no agir e saber a conseqüência de suas ações, moderado nos seus costumes e principalmente no exercício do poder, no governar com razão, respaldado pela formação integral que recebeu e ter habilidade política no momento de tomar decisões que afetam o destino da polis e dos cidadãos.


O 5º atributo: que não tenha mesquinhez. Não ter mesquinhez na alma nem na parte racional, ter largueza de espírito e visão ampla para ser soberano como governante. A mesquinhez turva a alma e impede de ter visão clara sobre as coisas, é importante na formação do filósofo, eliminar a mesquinhez para que ele possa ocupar o lugar de líder e tenha condições junto com os outros atributos, tomar as melhores decisões para o bem da cidade, sempre o bem da polis está em primeiro lugar. Por isso, Platão imaginou uma cidade governada por um filósofo, um ser preparado para ser e agir com plenitude e sempre visando o melhor para os interesses políticos, jurídicos, econômicos, sociais e em todos os âmbitos na sua sofocracia.


O 6º atributo: coragem. A coragem já é parte integrante da formação dos soldados gregos desde a época homérica, e portanto, um aspecto fundamental para a formação do filósofo. É preciso coragem para ser um governante numa polis grega, numa sofocracia, e saber superar as dificuldades imensas que encontrará no exercício do poder, pois o poder traz em si, uma gama imensa de dificuldades e problemas, que é preciso coragem e sabedoria para saber lidar com elas e claro, inteligência e sagacidade.


O 7º atributo: memória. A memória é o registro do pensamento, o pensamento é exercido pela alma – pensar o próprio pensamento – refletir sobre si mesmo. O exercício da alma de pensar é aprofundar os limites do conhecimento. Esse é um dos mais prazerosos deleites do filósofo, alcançar com o pensamento o conhecimento, que está além do mundo comum e sensível, e além do senso comum e vulgar dos homens comuns. A capacidade de ir buscar com o entendimento e a razão, e poder usar isso em seu trabalho de governante é um dos grandes desafios do filósofo.


O 8º atributo: comedimento, sensatez. A sensatez junto à coragem dão respaldo ao filósofo para o exercício do poder, e para sensatamente saber tomar as melhores decisões e não sucumbir ao poder, nem aos interesses inúmeros que sempre fazem parte de um governo de uma cidade, onde se juntam inúmeros interesses de homens e do povo, gerando conflitos e problemas os mais complexos e intrincados, e o filósofo terá que saber qual a melhor decisão tomar com sensatez e sabedoria.


As conclusões que ele expõe no livro VI são: 1ª conclusão: Logo, se quiseres distinguir a alma filosófica do que o não é, observarás se, desde nova, é justa e cordata, ou insociável e selvagem. E a 2ª conclusão: será então possível censurar, sob qualquer aspecto, uma ocupação tal que nunca ninguém será capaz de a exercer convenientemente, se não for de seu natural dotado de memória e de facilidade de aprender, de superioridade e amabilidade, amigo e aderente da verdade, da justiça, da coragem e da temperança?


Aquele que vê por conhecimento ou não vê por ignorância? Qual deve governar a polis? Essa é a pergunta. Claro que para a construção teórica utópica platônica quem deve governar é o filósofo, aquele que tem o conhecimento, que sabe captar o mundo das Idéias, portanto, é quem melhor está preparado para esse exercício. Nesse sentido, a ética é a compreensão do sentido do ser do homem no mundo, é uma reflexão sobre o melhor sentido que eu posso imprimir sobre a minha ação no mundo, é de fórum íntimo. A ética é uma busca individual, é o “conhece-te a ti mesmo”, a essência e não a aparência. O ético para o grego é a forma como o indivíduo vive, as relações que ele contrai dentro do seu habitat, é a forma íntima do indivíduo, nasce com o indivíduo, está no íntimo da pessoa. A moral é o costume, é o que vem de fora, é exterior ao indivíduo.


Para Platão essa construção da República é um processo completo de formação das pessoas da comunidade, formação Paidéutica. A República é uma construção no lógos, na imaginação, de uma politéia, é um discurso construído no pensamento. Uma utopia que não deixa de ser uma possibilidade de ser real com a reforma do indivíduo, é um vir a ser, que infelizmente até hoje não se realizou, nem há perspectivas para que a médio prazo isso aconteça, mas, quiçá um dia com uma profunda reforma social, individual, filosófica, essa utopia platônica possa acontecer, é uma dúvida presente e um desejo de filósofo (desde Platão) que esse vir a ser possa acontecer de fato. Platão quando fala de como formar um filósofo para governar a polis, no âmbito ético e jurídico, ele pensa na formação paidêutica do cidadão ateniense, A formação do filósofo é fundamental para governar com justiça uma cidade, para formar os cidadãos e saber como agir em cada situação. Platão vai falar do mundo das Idéias, da política, da dialética, do amor, da justiça, da Imortalidade da alma, sua filosofia tem uma abrangência de temas e elaborações, de reflexões as mais ricas e profundas que até hoje é considerado como um dos maiores filósofos do mundo ocidental.


Ele propõe um modelo ideal de formação do povo grego, isso é a República, essa tentativa de criar no discursso uma politéia ideal. Ele está comprometido com a ordem social, ele não está mais só interessado numa realidade ontológica-metafísica, ele já entendeu que a filosofia deve dar uma resposta à sociedade. Reforma política pelo conhecimento era o que Platão propunha. Tudo em Platão está fundada na Teoria das Idéias, na Metafísica.


Nos Diálogos platônicos ele coloca várias questões e não fecha, e é essa a intenção dele, ele não fecha a discussão, ele abre a discussão, diferente de Aristóteles que manipula o discurso e fecha a questão. Aristóteles é muito racional, já Platão é mais sensível e um grande filósofo literato.

Janaina Ismenia de Melo.
(foto tirada da internet)

Nenhum comentário:

Postar um comentário