quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CAMA DE ASFALTO!!!



O sol espalhava seus primeiros raios tingindo tudo de esplendor, quase tudo, pois chegava aos olhos de Régis que acordava praguejando mais um dia que começava. Tudo lhe doía, pois sua cama era o chão duro forrado com um pedaço de papelão, quando tinha papelão, quando não, era o asfalto cru mesmo. Levantou, olhou ao redor, mas dentro de si tudo era cinza, perguntava-se interiormente por que tinha que ser assim? Por que sua vida tinha sido um fracasso? Tantas dúvidas lhe corroíam as entranhas, mas naquele momento a fome gritava mais alto, precisa comer algo. Enrolou seu papelão e cobertor velho e surrado e pendurou na árvore que lhe servia de guarda cama. Saiu em busca de algo para comer. Caminhava praguejando a vida, ia pedindo a um e a outro sem nada conseguir. Ficou estacionado na saída de uma padaria, pedindo esmolas.




Não conseguia sair de dentro de si e de sua miséria e olhar ao redor, se oferecer para ajudar alguém, não se dispunha a pequenos trabalhos para ganhar alguns trocados, só queria pedir e ganhar sem esforço. Vivia tomado por pensamentos nebulosos e negativos, como se uma horda de espíritos ruins estivessem sempre lhe acompanhando, e percebia que aonde chegava as pessoas se afastavam, pois seu olhar e seu cheiro causavam mal-estar.


Nasceu numa favela, numa família de onze irmãos, sempre apanhava muito do padrasto, e um dia não agüentando mais apanhar e ver a mãe apanhar, fugiu de casa, saiu sem olhar para trás e nunca mais voltou. Todos os dias pensava em sua mãe, com um misto de raiva e pena, sentia saudade dela e de seus irmãos, o que será que teria acontecido com cada um? Será que o miserável do padrasto já teria morrido? Todos os dias essas questões povoavam seus pensamentos. Desde que fugiu de casa aos doze anos já tinha passado por muitas situações de risco, já tinha passado fome, já tinha cheirado muita cola, já tinha roubado, mas nunca tinha matado. Vivia como folha seca solta ao vento rolando de um lugar para outro de acordo com a força do vento. Fugir de casa aos doze anos, no começo da adolescência, tinha sido um rito de passagem muito doloroso para sua alma, que até o presente ainda causava dor e angústia, pois a dor da falta da mãe ainda lhe corroia a alma. Sabia o que era solidão, abandono, fome, frio, seu coração tinha secado, se enrijecido, se fechado para o mundo. Não sabia nada sobre amor, família, fraternidade e valores maiores que aquecem o coração e a alma. Sentia muita falta de viver esse lado bom da vida. Estava cansado de viver de esmolas, de resto de comida dos outros, de rejeição. Estava cansado demais da vida, sua vida tinha sido um erro, pensava ele. Vinha pensando em acabar de vez com seu sofrimento, todo dia pensava numa forma diferente de morrer. Nos últimos dias juntava-se aos outros homens que vivam na mesma condição que ele, que estavam sozinhos na rua e dormiam no asfalto, e bebiam tudo que conseguiam de bebida durante o dia, bebiam para esquecer a dor, a fome e o abandono. Não queria saber de Deus, não acreditava em nada. Agora só queria saber de dar fim ao seu sofrimento. Num certo domingo, depois de beber muito com o grupo que vivia ali na rua com ele, sentindo-se completamente bêbado, lembrou que queria acabar com sua vida, e aquele seria o momento, pois estava tão bêbado que não sentiria. Ficou olhando a rua e viu que vinham alguns carros, saiu em disparada em direção à rua e sentiu o baque, sentiu-se desfalecer. Quando acordou já estava no hospital, todo entubado, com soro, tinha sido um acidente sério, tinha quebrado as duas pernas, um braço, quebrado quatro costelas e tinha perdido muito sangue, seu quadro inspirava cuidados e ficaria vários dias internado. Olhou ao redor e viu um senhor que não conhecia. O senhor aproximou-se e falou sobre o acidente, ele contou que o homem que o tinha atropelado tinha fugido, ele vinha atrás, e viu tudo, parou, chamou a ambulância e acompanhou tudo. Ele era pastor e estava orando para ele se restabelecer.


“Não perca tempo comigo pastor, eu sou uma ovelha negra, perdida. Deus não olha para mim, sou uma causa perdida, aliás, deveria ter morrido, teria sido muito melhor”.


“Não diga isso meu filho, Deus nunca desiste de seus filhos, nunca um filho do Pai é causa perdida”.



E daquele momento em diante nascia uma forte amizade entre Régis e o pastor. Todos os dias eles oravam e conversavam sobre a Bíblia e sobre Deus, Régis começava a sentir-se diferente, a pensar diferente e sentir que alguém se importava com ele. No dia da alta o pastor esperava o médico terminar as recomendações e depois ajudou Régis a vestir a roupa que havia levado para ele, ainda estava fraco, mas em franca recuperação. O pastor Mendes o levou para sua casa por uns dias até ele se recuperar completamente. Uma nova vida se descortinava para Régis, pois o pastor ofereceu-lhe uma vaga de zelador da Igreja, ele teria onde morar e um salário, além de poder aumentar sua fé e ampliar seus conhecimentos sobre a Bíblia e a religião. Um momento muito novo em sua vida, ele teria que fazer uma escolha entre uma nova chance que a vida estava lhe dando ou voltar para a rua. Escolheu ser zelador e começou seu trabalho, começou a fazer muitas amizades, fazia seu trabalho com seriedade e todos o respeitavam. Tinha um respeito e um carinho especial pelo pastor Mendes, pois ele o tirara do fundo do poço e lhe dera uma chance de recomeçar sua vida. O acidente que aparentemente teria sido uma tragédia, o trouxe de volta à vida e o fez encontrar Deus.
Foi um recomeço em sua vida, um renascimento, talvez, antes estivesse morto, agora estava vivo de verdade, e aceitar Deus na sua vida e no seu coração tinha sido grandioso, agora sentia paz no seu coração. Sempre freqüentava os cultos e resolveu procurar sua família e também fazer um trabalho de evangelização junto àqueles que viviam na rua, seus antigos companheiros de rua e bebida. Queria ser útil e poder ajudar a outras pessoas. Em algumas folgas que tinha, já havia ido procurar sua família, ainda não tinha encontrado os seus, mas não desistiria. Voltou algumas vezes ao lugar que morava quando fugiu, sua família não estava mais lá, mas, através de alguns antigos moradores conseguiu chegar até sua mãe, que morava numa casa de família, trabalhava como doméstica. Foi um momento muito emocionante para Régis poder rever sua mãe quase vinte anos depois de ter fugido. Poder abraçá-la e pedir perdão foi um momento de profunda emoção. Como se sentia feliz podendo estar junto a sua mãe. A partir daquele momento eles sempre se viam, e aos poucos foi revendo alguns irmãos e irmãs, soube que três tinham morrido e o padrasto também. Teve a chance de viver a dádiva de amar a mãe e poder expressar o amor filial.



Começou um trabalho de evangelizar àqueles que viviam na rua sem perspectiva, no álcool e na droga, dormindo embaixo dos viadutos, nas esquinas, nos bancos das praças, no asfalto cru, como ele já dormira no passado. Régis foi um homem que saiu da sarjeta, da cama de asfalto e da miséria material e espiritual, e num encontro espiritual com Deus permitiu que Deus agisse em sua vida e transformou-se num agente social transformador, possibilitando que outras pessoas pudessem também viver a espiritualidade e tivessem uma nova chance como ele teve.



JANAINA ISMENIA DE MELO.
(fotos tirada da internet)

NAIARA.




Naiara saiu de uma prova de psicopatologia e caminhou até o banco para fazer um pagamento, chegou esbaforida do sol quente, cansada e com sede e ao se deparar com o tamanho da fila, ficou desanimada, além de estar com fome e com sede, pois era quase hora do almoço.

Pegou seu livro e conseguiu ler algumas páginas, mas o barulho dificultava sua concentração, resolveu parar de ler e observar as pessoas, pois como futura psicóloga, adorava aprimorar sua capacidade de observação. Observou a fisionomia das pessoas e pensou como as pessoas estavam demonstrando cansaço na fisionomia, mas não só o cansaço físico, um cansaço na alma, viu insatisfação, em algumas viu tristeza nos olhos, viu raiva, vários sentimentos que estão nos olhos e no corpo das pessoas, que muitas vezes nem elas mesmos se dão conta. O banco estava cheio, e o barulho a incomodava, pensou em como as pessoas estão ficando surdas, e cada vez falam mais alto, a humanidade está cada vez mais barulhenta, é impressionante a falta de percepção das pessoas. Ouvia alguns conversando e reclamando do banco, outro falando ao celular, outros olhando para o tempo, é incrível como sempre tem um espertinho querendo furar a fila, sempre tem uma desculpa esfarrapada, é muita cara de pau dessas pessoas, e sempre também tem uma barraqueira pra fazer barulho, sempre tem aqueles com uma pasta com trezentos pagamentos para fazer que demoram meia hora, acontece de tudo, é engraçado. Fila de banco é uma ótima oportunidade para ler, mas a única pessoa que estava com um livro visível ali era ela, ninguém aproveitando aquele tempo perdido na fila para ler, e pensou em como o brasileiro lê pouco, uma lástima, realmente, uma lástima. Já fazia mais de quarenta minutos que estava na fila, estava quase sentando no chão, de tão cansada, com dor nas pernas e na coluna, que desrespeito, podia ter pelo menos cadeiras para as pessoas sentarem. Começou a se concentrar na fila dos idosos, até eles reclamavam da demora, de alguém que passou na frente, alguns falavam da mocidade, outros dos netos, olhou a fisionomia daqueles idosos e viu a diferença entre cada um, uns mais descontraídos, outros ranzinzas, uns de bom humor, outros muito contraídos e amargurados. Olhar para aquelas pessoas já na maturidade, a fez refletir sobre a vida e sobre a maturidade, sobre a tolerância, sobre a importância de aprender com as lições da vida e chegar à maturidade feliz, de bem com a vida, com sabedoria, devia ser horrível chegar na velhice amargurado, infeliz, frustrado. Várias questões vieram à sua mente.
Um dos caixas fechou seu caixa e saiu, era hora de almoço e o horário dele tinha encerrado, vários reclamaram, outros xingaram, agora é que ia demorar mesmo, fiquei imaginando os outros dois caixas que restaram com uma crise de dor de barriga naquele momento, coitados, iam ser xingados até a terceira geração. Que profissão ingrata, não tem direito nem de fazer xixi, Deus me livre.
Sua vez chegou, foi atendida em três minutos. É mole ficar quase uma hora e meia na fila para ser atendida em três minutos??? Deu uma última olhada para a fila, e saiu do banco pensando na complexidade do ser humano, foi a pé para casa, umas oito quadras dali, foi refletindo na riqueza que foi para ela observar as pessoas ali, na enorme diferença entre cada ser, na complexidade da natureza humana, e como até fila de banco pode servir para aprender mais sobre a vida e o ser, aprendeu também a não atrasar mais pagamentos e também não ir com fome, pois estava passada de fome, hora de almoço é lá hora de ir para o banco.

JANAINA ISMENIA DE MELO
(foto tirada da internet)

sábado, 5 de dezembro de 2009

NIETZSCHE!!!!



Nietzsche é um filósofo, um músico, um crítico, um poeta, um homem de múltiplas dimensões do Ser!!!! Sua filosofia tem uma importância fundamental na história da filosofia contemporânea e influenciou Heidegger, Gadamer, Deleuze, Foucault e muitos outros. Tratou de temas polêmicos e profundos, como o eterno retorno, o niihilismo, a morte de Deus, o Super-homem, o Apolínio e o Dionisíaco, entres outros que estão na base do pensamento filosófico contemporâneo, e influenciou inclusive Freud e a Psicanálise. Nietzsche é fundamental para a história ocidental e para reflexões profundas no Ser de cada um que se permite esse desafio.
Nietzsche foi um profundo admirador da Tragédia grega, pois ela expressava de forma intensa os sentimentos humanos na sua forma mais verdadeira. Ele Admirava os filósofos pré-socráticos, principalmente Heráclito e Empédocles, e criticou duramente Sócrates por trazer para o âmbito da filosofia a razão acima de qualquer outra coisa, ele diz que a filosofia morreu com Sócrates, uma crítica dura que Niezsche fez embasado no seu pensamento de que a filosofia era um “pensamento trágico” – o Apolíneo e o Dionisíaco sempre em luta!!! Na “Genealogia da Moral” essa crítica é muito bem fundamentada por ele contra toda a história moral do ocidente desde Sócrates, justamente pelo sufocamento do trágico pela razão, onde nesse sufocamento perde-se o gênio criativo, a arte, a liberdade em nome da razão e da dominação pela religião, política e outras formas de poder. Daí Nietzsche falar da “Morte de Deus” e do “Super-homem”. Nietzsche sempre foi um profundo questionador da nossa indigência ontológica.




Janaina Ismenia de Melo.
foto tirada da internet.

MANADA???




Concordo com Adorno quando diz que estamos vivendo a “cultura do espetáculo”, a cultura do descartável, da superficialidade, da “manada” de consumistas sem consciência crítica por falta de formação e leitura, onde vamos parar????? Isso é uma questão urgente no nosso país, na nossa educação, nas nossas famílias. Eu como professora, educadora, me pergunto todos os dias como melhorar essa situação? Como professora espalho sementes de amor à leitura, de desenvolvimento do senso crítico, de ética e tudo o mais que eu posso passar para meus alunos, amigos, família. É um trabalho de cada um, como Ser, como cidadão, e até como forma de protesto a essa cultura capitalista podre, que quer mesmo é “manada”, pessoas que não pensem, não critiquem, não protestem, apenas consumam, comprem, tenham. O que importa na cultura que vivemos hoje é o ter, não o SER. Sejamos SERES PLENOS E CONSCIENTES!!!!!!!!!!!


Janaina Ismenia de Melo.
foto tirada da internet.

A IMPORTÂNCIA DOS AFETOS NA DINÂMICA FAMILIAR!!!





Este trabalho tem como tema a importância dos afetos na dinâmica familiar. Foi abordada a dialética dos afetos na formação psíquica do indivíduo e da família. A importância da família como local de ambivalências, mas, também, de construção do social e da subjetividade do indivíduo, mostrando a formação dos vínculos e da formação da linguagem, do simbólico e do imaginário para a construção do Ser enquanto ser de linguagem, ser social e ser de afetos. A importância das pulsões e do complexo de Édipo para a formação psíquica do sujeito e da família enquanto lugar de conflitos, desejos e afetos.
Desde o começo da civilização, o homem se organiza histórico-socialmente enquanto grupo, constituindo-se como família ao longo dos séculos. A família enquanto formação sócio-cultural adquiriu uma importância fundamental para a formação social e psíquica do homem. Como afirma a Antropologia, ela é um fenômeno universal, seja qual for a cultura ou país, em todo grupo humano, a família está presente, com suas mais diversas formações e hábitos culturais. Enquanto grupo social é um lugar de afetos, de sentimentos, de trocas e vínculos. A família tem uma importância crucial no desenvolvimento do ser humano, enquanto formação do ser e da personalidade.

Mesmo com todas as crises sociais contemporâneas, onde muitos valores e instituições estão sendo questionada, inclusive a família, ela ainda continua tendo sua importância social e psíquica. Continua sendo a base de formação do ser. Na contemporaneidade ocorrem muitas mudanças de valores, de paradigmas, de convenções sociais, muitas mudanças no mundo contemporâneo que a coloca em situações de desafios e mudanças, mas, sem deixar seu lugar de estruturação social e psíquica.
Família sempre foi amplo campo de estudo com profundas discussões no campo teórico, grandes personagens da história do mundo das idéias, no tocante a psicologia demonstraram sua preocupação desenvolvendo um conjunto de idéias que nos permitiu ser orientados teoricamente nesta pesquisa. A preocupação com a mesma nos sugere que é neste local, onde acontecerão os principais aspectos fundamentais na formação do sujeito. Está clara a importância da primeira idade da criança e seu desenvolvimento, onde uma série de acontecimentos terá a família como suporte e como idealizadora, pensar assim o envolvimento dos atores que a compõem na formação individual, lançando a perspectiva dialética na relação familiar. (BOTTURA JUNIOR, 1994, pág. 19) “Já foi provada, cientificamente, a importância dos primeiros anos de vida do homem no desenvolvimento de sua personalidade.” Vários autores se referem de maneira pontual que o individuo terá sua formação no apoio e no campo familiar. Será a primeira célula socializadora, onde teremos a formação das regras, da ordem da castração, da limitação, mas também, e, não menos importante, o campo dos afetos onde este será a base da nossa fundamentação.

Somos seres racionais afetivos, temos todos nós um sistema neuro-funcional e neurofisiológico apto, que nos possibilita sermos seres de afetos. Nunca foi fácil transcorrer a respeito dos afetos, sabemos que eles existem e temos a certeza na expressão dos mesmos, porém não é fácil sua delimitação.
A família é um lugar de múltiplos afetos, podemos mencionar o amor, carinho, amparo, o ódio, a inveja, os ciúmes, e todos esses afetos e sentimentos colaboram para a estruturação íntima de cada membro da família e da sociedade. Estes múltiplos afetos são fundamentais para o enriquecimento de cada ser e para a dinâmica familiar, onde tudo é mutável e intenso, nada é estático nas relações humanas, muito menos na família. A formação dos vínculos se dá nessa dinamicidade de afetos e sentimentos, sendo de fundamental importância para a formação da personalidade e para a riqueza psíquica do indivíduo a interação destes afetos, nessa dialética de sentimentos, os papéis e funções dentro da relação familiar são muito importantes, pois possibilita ao indivíduo fazer parte ativa da sociedade enquanto cidadão. Neste contexto de múltiplos afetos, a família enfrenta suas crises, tanto internas, quanto sociais. Sendo de fundamental importância levar em consideração a participação da mídia neste processo de mudanças de valores e regras sociais, pois como diz Adorno, um filósofo contemporâneo, vivemos no mundo do espetáculo, onde a mídia tem um papel fundamental de “imposição” de valores que são impostos pelo neoliberalismo e pela ideologia do consumismo em que vivemos, onde tudo vira mercadoria, onde o que impera é a ordem do consumir, inclusive valores e novos padrões sociais e processos de subjetivação.
Talvez a nossa compreensão no tocante aos afetos seja de forma incoerente, determinando a qualidade dos afetos em bons e maus, agindo assim de forma discriminada. A família tem uma participação importante, pois é onde incorporamos de forma subjetiva a qualidade destes afetos, muito do que se fala no cotidiano familiar sobre os afetos, faz pensar que a família é campo de um único afeto, o que não é verdade, pois, talvez aquele que melhor nos expressa enquanto sujeito é o amor, (BARROS, 2003), este autor refere-se ao amor da seguinte maneira:



“O amor deve prevalecer, porque ele faz do indivíduo humano um ser humano. Identifica-nos e, assim, gera em todos nós solidariedade entre todos nós, que é a única força capaz de construir – dignamente – a humanidade em todo o agrupamento humano, a partir de sua grei inicial: a família.” (pág. 149)


Podemos perceber a importância do amor na relação familiar pelas obras do pediatra e psicanalista D. W. Winnicott (1886), quando elabora seus ensaios, viabilizando toda uma explicação sobre a ligação que está na relação mãe-bebê, ele concebe que o afeto está ligado desde o início da gestação como também no ato da amamentação. Neste ato, a mãe age como peça importante na relação, criando um vínculo de afeto com a criança, mesmo sendo essa criança ainda um bebê e não entenda ainda a lógica da relação. Observe que isso é uma consideração fantástica, pois é propor que uma criança para além da relação lógica causal deste ato, concebe deste então o afeto da mãe, teremos assim uma ligação promovida pelo afeto. Winnicott fala ainda que (2001, pág.3) “Muita coisa acontece no primeiro ano de vida da criança: o desenvolvimento emocional tem lugar desde o princípio; num estudo da evolução da personalidade”, sendo assim uma questão fundamental para o indivíduo é que a família é parte integrante do processo de formação da identidade. A formação da identidade enquanto ser humano, ser social, ser psíquico, ou seja, a identidade em todas as suas instâncias, passa necessariamente pela família, seja qual tipo de configuração familiar o indivíduo vivencie. Uma questão importante é desmistificar a família só como lugar de amor, a família enquanto grupo social é o local dos mais diversos afetos e desejos, pulsões e fantasias, necessidades e funções. É nessa ambivalência de afetos e sentimentos que se estrutura a linguagem, o imaginário e o simbólico no ser humano, instâncias psíquicas fundamentais para o desenvolvimento do sujeito enquanto ser psicossocial. É importante não esquecer o lugar das diferenças dentro da família, pois só na diferença é possível estabelecer identidades e vivências múltiplas e a formação da subjetividade de cada membro familiar.
O que a criança mais recebe durante seu desenvolvimento é afeto, ele está na relação, nos gestos, nos atos, no comportamento como um todo, tudo que a criança recebe como via dos afetos e que vai compor seu desenvolvimento emocional. Também a própria criança requer muito dos pais essa dependência emocional. (WINNICOTT, 2001) “A integração parece estar ligada às experiências emocionais ou afetivas de caráter mais definido, como a raiva ou a excitação provocada pelo oferecimento de comida.”
Na ótica psicanalista no ambiente familiar o afeto pode ser pensado em duas constituintes do sujeito importantes para psicanálise. Temos em nós duas pulsões importantes a de vida (Eros) e a de morte (Thanatos), onde no individuo se reconhece essa pulsão na forma de afetos, onde o amor e ódio são as duas faces da mesma moeda, quebrando um paradigma no senso comum de dualidade entre o amor e o ódio, (GROENINGA, 2003, pág. 129) “Eles nos aparecem sob a forma de afetos, amorosos e hostis. A afetividade é, portanto originária e ambivalente,” essa pulsão também é ponto primordial da elaboração teórica da psicanálise para enunciar a constituição psíquica, assim o afeto aparece como o canal para expressão dessas pulsões, e como já tratado, a família está no encargo dessa dinâmica para elaboração subjetiva, onde cada um tem sua própria experiência a partir da vivência dos afetos. A outra parte importante originada do seio familiar é conhecida como o Complexo de Édipo. Por meio desse complexo edipiano vivenciaremos os conflitos da primeira infância, e desenvolvemos certa maturação psíquica. Remetemos novamente a Groeninga que diz que:

“Retornando à descrição do que Freud chamou de ambivalência afetiva originária e a vivência edípica que vai imprimir aos afetos uma direção, retomamos que são naturais os desejos amorosos e hostis que a criança tem em relação aos pais. Tais sentimentos são alternados de um genitor para o outro, conforme o ciclo vital,” (2003, pág. 131)


Os afetos têm uma importância crucial para a estruturação psíquica, familiar e social, está presente no Édipo e nas pulsões, na formação da família como constituição afetiva, ambivalente ou não. É importante lembrar a dualidade dos afetos como presente e funcional para elaboração do sujeito em todas as suas instâncias psíquicas.





BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família:: dos fundamentais aos operacionais. In:. Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 143-154.

BOTTURA JUNIOR, Wimer. A paternidade faz a diferença. São Paulo: Editora Gente, 1994.

WINNICOTT, D.W. . A família e o desenvolvimento individual. 2ª São Paulo: Martins Fontes, 2001.


________________Tudo começa em casa. 2ª São Paulo: Martins Fontes, 1999.


GROENINGA, Giselle Câmara. Família: um caleidoscópio de relações. In Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 125-142


JANAINA ISMENIA DE MELO
FOTOS TIRADA DA INTERNET.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A IMPORTÂNCIA DE PIERRE JANET NA PSICOTERAPIA SOMÁTICA.

O que é Psicoterapia Somática? Psyché e terapéia vem ambos do grego que significam respectivamente alma e cuidado, portanto cuidado com a alma. A psique abrange a nossa vida afetiva, cognitiva, imaginativa e intelectual, além de espiritual também. As psicoterapias corporais tratam dos mecanismos corporais que se encontram envolvidas nas dinâmicas das repressões e das defesas contra as emoções, trabalhando o corpo energético, emocional e postural como lugar da história do sujeito. Um dos objetivos fundamentais é reintegrar o sentir (endoderma), o pensar (ectoderma) e o fazer (mesoderma) desde a profundidade do ser em contato com a realidade externa, consigo mesmo e com os outros, restabelecendo a sexualidade natural, assim também como a dimensão espiritual do Ser.
Freud era profundamente criterioso em observar e escrever. Janet influenciou profundamente Freud. Tanto Pierre Janet como Charcot foram fundamentais na formação dele. Ele fora estudar com Charcot em Paris e absorveu os estudos de Charcot sobre histeria, sobre hipnose e sobre todo o campo de estudo e pesquisa que Charcot realizava naquele momento.
Uma pergunta se faz necessária no campo da psicoterapia: “Qual o desejo que está por trás da emoção”? e é justamente esse desejo quando entra em conflito com as emoções que gera todas as tensões corporais que vão se instalar no corpo e que o terapeuta através de várias técnicas vai trabalhar o cliente para trazê-lo de volta a harmonia, fundamental para o equilíbrio do indivíduo. Reich muitos anos depois vai desenvolver toda sua teoria a partir de tudo o que ele estudou de Freud, ele vai além de Freud e vai descobrir como as repressões formam as couraças. William James vai estudar os princípios ideomotor, ou seja, idéia-movimento-sentimento.
Segundo Reich, o terapeuta tem que sair da 1ª camada (máscara), entrar na 2ª camada, trabalhar as negatividades e resistência, as dificuldades e entrar na essência, que é fundamentalmente o amor.
A partir da análise psicológica de Pierre janet foi que surgiu a Psicanálise de Freud. Muitos conceitos chaves da psicologia individual e analítica foram inspiradas por Janet. Ele foi o primeiro psicoterapeuta corporal e predecessor de Reich. Janet estudou a relação entre respiração e vida emocional, e junto com Richet realizou detalhadas investigações sobre padrões respiratórios na neurose. Janet já naquela época trabalhou com massagem e reeducação do movimento. O importante trabalho dele foi relativamente negligenciado até a sua redescoberta pelas pesquisas modernas sobre síndrome de estresse pós-traumático, em que os insights são considerados de importância fundamental. Janet com seus 5.000 estudos clínicos fundamentou sua principal obra sobre a histeria, “O automatismo psicológico”, o qual foi sua tese de doutorado na Sorbonne. Além de ele ter sido o principal predecessor de Freud, influenciou Jung, Adler e Reich.
Janet já trabalhava com a importância central do distúrbio da respiração na neurose, neurose vasomotora, massagem, consciência visceral, e neurose gastrointestinal (antecipando o trabalho de Gerda Boysen com a psicoperistalse), canais de contato, consciência muscular e sensação sinestésica, movimento e intencionalidade, choque pós-traumático, a presentificação – o que Janet chamou de estar em contato consigo mesmo e com os outros na aqui e agora, sem ficar travado nas ansiedades do passado ou nas dúvidas do futuro.
Concluímos assim a fundamental importância de Pierre Janet não só na descoberta da psicanálise Freudiana como em todos os estudos posteriores da psicoterapia corporal.

JANAINA ISMENIA DE MELO.

A IMPORTÂNCIA DA PSICANÁLISE E DE FREUD NA CONTEMPORANEIDADE.





Desde Sócrates, Platão e toda a história da filosofia vêm sendo pensado a questão da “psyché” – como a importância da alma na questão do Ser e do cuidado com a alma para uma vida feliz. Já falava Epicuro sobre a Ataraxia, aponia e autarquéia, ou seja, imperturbabilidade da alma, ausência de dor física e auto-domínio. Freud neste contexto é de suma importância na contemporaneidade com todo o edifício teórico da psicanálise para o tratamento das questões que estão na ordem do Ser.


Freud enquanto clinicava, pensava sobre a psiquiatria e a psicanálise e desenvolve através do seu estudo rigoroso toda a teoria psicanalítica, sendo a vida inteira um profundo pesquisador. Ele aprendeu com Breur e Charcot o hipnotismo e método catártico. Freud já falava em 1900 que todo e qualquer ato da pessoa tem um significado, nada é por acaso, nada é desvinculado de motivos interiores do ser. Ele estudou toda a importância dos sonhos como material rico do inconsciente e, portanto, rico material para trabalhar clinicamente. Ele fala que todo sonho possui significado, o sonho é uma forma disfarçada de realização do desejo, que as composições do sonho são conteúdo latente e conteúdo manifesto, a formação dos sonhos são restos diurnos, resto diurnos recalcados, estímulos noturnos e desejos inconscientes. Os sonhos são sempre uma forma disfarçada de realizar os sonhos sem censura, o sonho tem a função principal de manter a pessoa dormindo e também porque dá prazer (na visão freudiana). Já os pesadelos são sonhos de angústia. Quando ele fala conteúdo latente, são os conteúdos inconscientes, os desejos reprimidos. Já o conteúdo manifesto é o que a pessoa conta que sonhou, é o sonho propriamente dito. Os desejos inconscientes são a única forma psíquica de formar um sonho.


Segundo Freud, nada se passa sem que se tenha registro psíquico no consciente, e vai depois para o inconsciente. Na elaboração onírica ocorrem vários processos, são eles: condensação – que é juntar mais de uma representação psíquica no mesmo sonho; deslocamento – é o deslocamento de afeto, de energia psíquica, de carinho para poder suportar o conteúdo; figuração – que transforma a idéia e afeto em imagem; elaboração secundária que faz com que o sonho tenha começo, meio e fim, transforma o sonho em bem elaborado para se poder entendê-lo. Freud ainda fala dos sonhos de angústia, aparentemente não se encaixarem na realização do desejo. Desejo de auto-punição, os sonhos de angústia servem para nos punir e serve também aos desejos sexuais e agressivos. Algumas vezes o trabalho de censura é muito forte no sonho, e causa angústia, punição e sentimento de culpa, esses sonhos geralmente são gerados a partir do superego. Todo sonho tem mais de um motivo para existir, realiza mais de um desejo, e têm mais de uma interpretação, já que ele está realizando vários desejos.


Na concepção do aparelho psíquico Freud fala na 1ª Tópica ( Inconsciente, pré-consciente-consciente), em 1900, na 2ª Tópica ( Id, ego e superego) em 1923, no processo primário (energia livre), no processo secundário e no princípio do prazer, que é o princípio que tenta a todo custo evitar o desprazer. O inconsciente é estrutural, sempre foi e sempre vai ser inconsciente, desde sempre e para sempre. O pré-consciente-consciente é um constante fluxo de informações.


Segundo Freud, nunca se tem acesso às pulsões, só se têm acesso as representações. Pulsões são representações de movimentos de corpo-energia somáticas. O que vai para o consciente é a representação da representação. O pré-consciente-consciente são representações das pulsões.


O objetivo da psicanálise é re-significar a vida. Daí a importância de Freud com a psicanálise, pois a partir dele houve todo um intenso desdobramento de conceitos e técnicas psicológicas que vêem ajudando o homem a encontrar respostas mais significativas e plenas para sua vida, através não só da psicanálise, mas também da psicoterapia somática.

JANAINA ISMENIA DE MELO.
FOTO TIRADA DA INTERNET.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

RESENHA SOBRE TRÊS TEXTOS DE PSICOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE.


Este trabalho é uma resenha de três textos sobre psicologia, a saber, Modernidade e produção de subjetividade: breve percurso histórico, de Deise Mancebo. O segundo texto sendo A Psicologia como reflexão sobre as práticas humanas: da adaptação à errância, de Márcia Moraes, e o terceiro sendo Indivíduo e Psicologia: gênese e desenvolvimento atuais, de Deise Mancebo. O objetivo desta resenha é uma articulação entre as discussões que estão nos três textos de uma forma crítica e reflexiva.

Historicamente o conhecimento faz parte da formação da humanidade como civilização e como capacidade de pensamento e construção histórica. Desde a filosofia antiga, onde seu primeiro momento o que interessanva era entender o cosmos, o universo, a physis, sendo portanto uma cosmologia, este período abarca o pensamento e especulações dos grandes pensadores Pré-Socráticos. Com Sócrates acontece a primeira grande virada de interesse do estudo na filosofia, o que importa agora não é só o cosmos, o que está fora, mas agora o que passa a ser importante é o homem, e a grande pergunta portanto é, o que é o homem? Entramos no momento crucial de início da construção filosófica-social do homem como Estatuto Ontológico. Com o nascimento do Cristianismo uma nova mudança de foco vai acontecer, agora o que importa é a Fé, a Igreja vai dominar durante séculos, e isso vai ter repercussões profundas na formação social do homem. Com Descartes e o início da modernidade entra em questão a razão, a grande questão da Idade Moderna é a Razão. Descartes vai operar uma mudança de paradigma, vai inverter a ordem da importância do objeto de estudo, se desde Platão até o fim da Idade media o que importava era o objeto do conhecimento e não o sujeito, Descartes vai fazer essa virada epistemológica trazendo o sujeito para o primeiro plano de importância, e desde então a formação desde sujeito vem sofrendo inúmeras mudanças em seu percursso histórico-social. Já na Idade Contemporânea a grande questão é a crise da razão, e essa crise vai trazer imensas repercussões para o campo da psicologia e das ciências sociais.
Com a Revolução Industrial, as questões políticos-socias e o nascimento da Psicologia como ciência autônoma, separada da filosofia, passa a ter seu Estatuto Epistemológico próprio. Com todas estas mudanças, a formação desse sujeito passou por profundas transformações, onde a formação da subjetividade tem uma importância fundamental. É interessante pontuar que desde o Renascimento, passando pelo o Iluminismo e chegando até os dias atuais, uma das questões centrais vai ser essa relação do público com o privado e das questões que estão diretamente ligadas à subjetividade, não esquecendo que a ética é parte fundamental deste processo.
Nos três textos um fio de reflexão que perpassa os três é a problematização do indivíduo na sua construção histórica, social e psicológica. A formação do sujeito e suas complexidades têm sido um tema de profundo interesse de pesquisa tanto nas ciências sociais como na psicologia, na filosofia e na Antropologia. É interessante ver o modo de construção histórica do sujeito e sua formaçãpo de identidade, sua forma de se relacionar com o mundo o com os outros, e como na contemporaneidade vem sendo criado uma cultura do individualismo, do narcisismo e da consumismo.
O texto de Márcia Moraes problematiza uma questão importante para a psicologia que é a questão do erro. No início do texto ela já faz uma questionamento fundamental: por que o problema do erro é tão fundamental para a psicologia? E como a psicologia trata o erro? São questões epistemológicas importantes de serem pensadas para uma prática psicológica. A autora traz alguns fios condutores para essa discussão. O primeiro deles é considerar o erro o inverso do acerto, considerando suas consequências. O segundo considera o erro como positivo, como campo propício de invenções e possibilidades de criação, nesse campo é importante a contribuição de Canguilhem com seu estudo sobre O Normal e o Patológico, e as contribuições do pensamento de Bruno Latour, aliado à filosofia de Deleuze, Guattari e Foucault. No texto, a autora mostra a relevância que Foucault faz sobre a história da psicologia do século XX:

Foucault salienta que até metade do século XX a história da psicologia é a história paradoxal das contradições entre o projeto de reconhecer no homem as mesmas leis que regem a natureza os postulados que norteiam a construção da psicologia como ciência objetiva. Em outras palavras, com o intuito de mostrar que o homem era uma extensão da natureza, a psicologia ergueu-se a partir dos postulados de rigor, objetividade, neutralidade. (Foucault, 1990).


Foucault no seu pensamento nos traz questões que exigem reflexões, pois são instigantes e provocativas, além de serem coerentes com o contexto atual. O pensamento de Foucault tem três fases importantes, a saber, a Arqueologia do Saber, a Genealogia do Poder e a Estética da Existência, formando uma relação entre saber, poder e verdade. Questões como a sociedade de controle, as questões de poder, de dominação, do disciplinamento, do biopoder, o controle do corpo e dos desejos numa sociedade utilitarismta e controladora, entre outras. Para Foucault a psicologia contemporânea é uma forma de análise do patológico, do anormal, dos conflitos e das contradições. A forma que o homem encontrou de se adaptar a tudo isto foi através da contradição, dos desajustes, das resistências, das errâncias e da criatividade, segundo a autora. Retomando a questão do erro, ele tem seu lado negativo, mas também, tem seu lado positivo de criação e possibilidade de novas realidades, de devir. A errância traz em si a questão da potência, potência de ultrapassar limites e criar novas possibilidades como uma rede de coisas que vão se tocando e se complexificando, criando a todo momento um novo devir, uma nova realidade. Segundo a autora, a questão da rede que Bruno Latour coloca é no sentido de rede como fluxos, movimentos, alianças, e não como rigidez. Atuar em rede é atuar em conexões. A teoria de rede são pensadas como entrelaçamento de saberes, com infinitas possibilidades de conexões de saberes, onde há relações de força, em linhas de fuga, com flexibilidade, tensões e tudo o que possa acontecer. Os saberes vão se rearranjando de várias formas, com tensão ou não, e com isso a riqueza dessas construções e de tudo o que está envolvido é muito maior.

Foucault (1983, 1986) é uma referência central nesse campo investigativo, ao preocupar-se com a identificação e análise do processo pelo qual se dá a tomada do poder sobre os corpos, na sociedade ocidental. Seus trabalhos procurarão cobrir a trajetória das diversas tecnologias de poder e o controle social produzido pelos dispositivos disciplinares e pela normalização técnico-científica, de modo a apresentar-nos a modernidade, criticamente, como uma era de domesticação dos corpos. Sob o ideário tecnocrático-disciplinar, “a administração dos comportamentos individuais, alcançável mediante uma visibilidade, conhecimento e controle mais planejado dos comportamentos, ganha espaço no tecido social, de modo que as instituições educacionais, corretivas, de saúde, de lazer passam a participar dessa agenda, assumindo funções diagnósticas, disciplinares e preventivas” (Mancebo, 1999-b, p. 56).

No texto de Deise Mancebo, Individuo e Psicologia: Gênese e desenvolvimento atuais, A autora pretende neste texto fazer uma discussão sobre o conceito de indivíduo e algumas caracterísitcas, como o seu retraimento sobre si mesmo, a psicologia como um saber disciplinar e normatizadora que privilegia a vida psíquica privada em detrimento da vida coletiva. O conceito de indivíduo é uma construção histórico-social. Na modernidade Descartes Obviamente que com o Cógito Cartesiano e seu dualismo psicofísico de mente-corpo, também vai gerar discussões e construções teóricas dualistas e dicotomicas, como a modernidade produziu esse eu? Criando uma representação do sujeito (ou indivíduo, como chama a autora) na sua forma mais íntima individualizada. A autora nos traz dois sentido de expressão de indivíduo segundo Dumont:


(1)O sujeito empírico da palavra, do pensamento, da vontade, amostra indivisível da espécie humana, tal como o observador encontra em todas as sociedades; e (2) o sujeito moral, independente, autônomo, e assim assencialmente não social, tal como se encontra, sobretudo, em nossa ideologia moderna do homem e da ssociedade. (Dumont, 1985. P. 29)


O texto fala das novas abordagens da psicologia social, mostrando qual perspectiva ela quer focar nessa discussão. A partir das críticas feitas ao positivismo, a psicologia passa por mudanças e reformulações. O texto já aponta para a crise vivida em relação à psicologia social americana, mostrando a necessidade da psicologia social latino-americana ter um maior enraizamento nos problemas que são próprios de sua realidade, deixando de lado a dominação americana, e criando seus próprios caminhos, tanto científicos, como teóricos e psicológicos. Nesta perspectiva, a autora nos mostra a importância dos aportes teóricos que fizeram parte desse movimento, como o materialismo dialético, e a contribuição de importantes pesquisadores como Leontiev, Luria e Vigotsky. Houve a criação da Alapso (Associação Latino-Americana de Psicologia Social, da qual o Brasil fez parte por um tempo, e depois rompendo e criando sua própria associação, a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), criando desta forma uma psicologia social brasielira voltada para os interesses das classes mais desfavorecidas, voltando sua atuação para a população pobre e suas demandas, para a realidade brasileira como ela se apresenta, e não através da imposição americana. É fundamental não esquecer que a construção deste caminho teórico social e subjetivo não se faz desvinculado da realidade em que ela se auto-gera. Como a autora coloca no texto que a realidade é uma construção coletiva, ou seja, tudo está interligado e interagindo o tempo inteiro, lembro aqui do conceito de rede, onde tudo está em conexão o tempo inteiro criando novas realidades que vão se modificando o tempo inteiro, num devir constante. Neste processo de constução social a subjetividade está presente o tempo inteiro, e não apenas a objetividade que os positivistas exigem em um processo científico. É importante não esquecer que mesmo neste processo subjetivo, não exclui a normatização e seus mecanismos de controle e biopoder.
A autora vai trazer a individualização deste sujeito em alguns graus diferentes, mostrando o Individualismo Liberal, o Racionalismo Administrativo, Tecnocrático e Disciplinar, o Individualismo e Coletivismo Românticos. O Individualismo Liberal, formulado por John Locke, um filósofo contratualista, ele sustenta a tese dos direitos naturais do indivíduo, e esses direitos tem que ser defendidos por um Estado, ou seja, ao estado cabe a mediação entre as relações entre os indivíduos para não haver violação das leis entre eles, e quando houver a violação, o próprio Estado passa a intervir. O Racionalismo Administrativo, Tecnocrático e Disciplinar, se apóia nas idéias liberais mas, exige mais eficiência e utilidade. O Utilitarismo já traz em si questões de poder e controle, as funções disciplinares e preventivas, práticas de normatização do indivíduo para ser mais útil ao processo de exploração do mercado de trabalho, que vem desde o liberalismo até o neoliberalismo com suas consequências da exploração do homem em vários níveis e com várias consequências. Já na questão do Individualismo e o Coletivismo Romântico, no pensamento romântico alemão se dá como crítica ao liberalismo e ao individualismo, sendo uma proposta de resgate dos valores autênticos, éticos, do retorno ds relações espontâneas entre os homens, do retorno à vida coletiva e individual com ênfase na potência de cada um e do todo.
Os três textos nos possibilitaram pensar várias questões importantes para a psicologia, possibilitando reflexões que enriquecem essa discussão, procurando ampliar os horizontes de entendimento de toda essa formação do sujeito e do processo de subjetivação, da construção do social e dessas inter-relações. Possibilitando um mergulho mais aprofundado nestas temáticas e uma melhor formação como psicólogo e como Ser.

JANAINA ISMENIA DE MELO.